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O impacto do confisco das aeronaves pelo governo russo em seguros

Por Patricia Russo, Head de Aviation.

Desde o início da Guerra entre Rússia e Ucrânia, foram impostas diversas sanções à aviação civil russa, incluindo a exigência de que as empresas de leasing retirassem suas aeronaves de solo russo até o fim de março de 2022. Com essa exigência, o governo russo aprovou uma Lei permitindo que as aeronaves arrendadas que estavam no país pudessem ser registradas localmente e, com isso, grande parte delas não foi devolvida aos seus donos.

Normalmente, as Linhas Aéreas não são proprietárias de suas aeronaves; elas fazem o arrendamento destes bens com empresas especializadas. Quando as sanções foram impostas à Rússia, essas empresas cancelaram seus contratos de leasing das aeronaves com a intenção de recuperá-las, o que não aconteceu. Fala-se em mais de 400 aeronaves arrendadas que ainda permanecem no país até a data de hoje.

No contrato de arrendamento entre Lessores e Companhias Aéreas, existem exigências mínimas de Seguro a serem cumpridas. As Linhas Aéreas e operadores são obrigados a contratar apólices de seguro contra perdas e danos que possam ser causados diretamente às aeronaves e também a terceiros, além de proteção contra Guerra (Hull All Risks, Liability, Hull War). Por sua vez, os lessores também contratam estas coberturas para garantir a proteção de seus bens, no caso de o Seguro do Operador não arcar com os danos que possam vir a ocorrer.

As condições gerais das apólices descrevem a cobertura de Casco-Guerra como sendo destinada a cobrir perda ou danos à aeronave diretamente causados por confisco, nacionalização, apreensão, sujeição, detenção, apropriação, requisição, por direito ou uso, ou por ordem do governo (seja civil, militar ou de fato) e/ou autoridade pública ou local, de país abrangido no perímetro de cobertura da Apólice. Apesar do nome, a apólice de Casco-Guerra não cobre danos causados em decorrência de Guerra declarada (ou não declarada oficialmente) que possa ocorrer entre uma série de países listados em seu clausulado, sendo a Rússia um deles.

Após a não devolução das aeronaves, iniciou-se uma extensa discussão entre os operadores, lessores e seguradores, que deve se estender por muitos anos em brigas judiciais já iniciadas, gerando um alto custo em honorários advocatícios, considerando alguns pontos que ainda permanecem incertos e podem ter várias interpretações:

> As linhas aéreas russas que tiveram os contratos de leasing cancelados ainda estão em posse das aeronaves, então pode-se dizer que não sofreram perdas. Com isso, suas apólices não devem ser acionadas?

> Para que possa ser iniciada uma reclamação de sinistro, é necessário que certos parâmetros existam, e alguns Seguradores argumentam que estes não foram necessariamente cumpridos. Um exemplo seria a data da ocorrência. Qual seria a data a ser considerada? Alguns dizem que é a data da invasão da Rússia na Ucrânia, outros argumentam que é a data em que o Governo assinou o decreto permitindo o registro das aeronaves no país. Outros dizem ainda que seria a data em que as Companhias Aéreas se recusaram a devolver as aeronaves. A data é extremamente importante neste caso, pois pode definir se o possível sinistro ainda estaria coberto na apólice vigente naquele momento ou se o cancelamento do seguro devido às sanções impostas já estaria valendo.

> Apesar da não devolução das aeronaves e de ameaças feitas pelo Governo Russo, nenhuma aeronave pode ser considerada realmente como perdida. Então, neste caso, a apólice de Guerra ainda não poderia ser acionada.

> Diferentemente da apólice de Casco All Risks, as apólices de Casco-Guerra possuem um “cap”, que são limites agregados destinados a limitar o montante de pagamento no caso de um grande número de aeronaves estarem ligadas a um mesmo sinistro ao mesmo tempo. Isso diminuiria bastante os valores de indenização, caso fosse aplicado. No entanto, a situação fica mais complexa, pois alguns lessores já estão argumentando que não se trata de um sinistro de Confisco coberto dentro da apólice de Guerra, mas sim de um sinistro de Roubo, o que entraria na apólice de All Risks, elevando o montante de indenização por não haver o “cap”.

> Uma outra dúvida é sobre como as sanções do Ocidente que foram impostas serão interpretadas pelas cortes em comparação com a linguagem das sanções já existentes dentro das apólices de Casco-Guerra.

Enquanto esta situação não se resolve, o mercado de Seguros tem tomado algumas medidas e feito algumas mudanças para tentar se proteger e compensar, mesmo que pouco, a perda que deve sofrer. Historicamente, as apólices de Casco-Guerra nunca tiveram prêmios altos, pois eram vistas como apólices de baixa exposição a risco e, portanto, o prêmio global dessa linha é extremamente baixo comparado aos valores estimados de indenização.

Algumas das mudanças feitas pelos Seguradores incluem o aumento significativo das taxas praticadas. A apólice que antes era considerada uma pequena parte do custo dentro do Programa de Seguros de uma Linha Aérea já não pode mais ser vista dessa forma. Além do aumento na taxa, os seguradores têm excluído ou restringido algumas condições, como a cobertura de confisco de suas apólices. Essas medidas têm sido tomadas para que os mercados possam manter suas capacidades e permanecer subscrevendo essa linha de negócio.

Acreditamos que esse seja apenas o início das mudanças que acontecerão, uma vez que o mercado Ressegurador mundial leva um tempo grande para absorver essas perdas, que ainda não estão em todos os balanços.

Apesar de toda a incerteza, as renovações das apólices de Hull All Risks não devem apresentar grande aumento em preço até o momento. Já com relação às apólices de Casco-Guerra e Responsabilidade Civil em caso de Guerra, estas têm apresentado mais dificuldade nas negociações e podem trazer aumentos significativos em prêmio para as Linhas Aéreas em suas renovações, além de certas restrições de cobertura.

No último ano, vimos alguns mercados saírem e deixarem de subscrever completamente o risco de Guerra, mas alguns outros estão vendo essa situação como oportunidade de entrar nessa linha de negócio e podem começar a trazer novas opções para as próximas renovações.

Na Latin Re, estamos acompanhando os desdobramentos dessa situação, em contato com parceiros ao redor do mundo, para podermos alinhar as expectativas de nossos clientes durante as renovações de suas apólices e, como sempre, trazer a melhor solução a eles.